segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O simples gosto pela vida

E lá se vai mais de um mês.

Chegar aqui em Bangladesh não foi fácil. Me tomou dez dias. Londres, Doha, Nova Déli (merece um post a parte), Calcutá, Dhaka. Foi avião, trem, ônibus, problemas com visto, fronteiras. Mas o que importa é que tudo deu certo e comecei a trabalhar no Grameen Bank.

Mas o que eu quero falar agora é bem pessoal. É o que aconteceu comigo nestas 3 semanas de intercâmbio em mudanças internas.

O trabalho do Grameen Bank foi um susto para mim. Obviamente, tinha lido os livros, aprendido superficialmente sobre microcrédito. Mas ver tudo funcionando, visitar comunidades e pessoas que efetivamente tiveram suas vidas mudadas foi algo além do que eu esperava.

Um pouco de wikipedia para explicar o Grameen Bank:

O Grameen Bank é o primeiro banco do mundo especializado em microcrédito e foi concebido pelo professor bengalês Muhammad Yunus em 1976, visando erradicar a pobreza no mundo. Opera como uma empresa privada auto-sustentável e gerou lucros em quase todas os anos de sua operação, exceto no ano de sua fundação e em 1991 e 1992.

Adquiriu formalmente o status de Banco em 1983, através de uma lei especial promulgada para sua criação.

O Grameen Bank ganhou o Nobel da Paz do ano de 2006 juntamente com seu fundador.

Localizado em Bangladesh, já conta com 2.185 agências e, desde sua fundação, emprestou o equivalente a 5,72 bilhões de dólares para 6,61 milhões de mutuários, 97% dos quais são mulheres. Atende a 71.371 vilarejos e possui um quadro de 18.795 funcionários remunerados. Sua taxa de inadimplência é baixíssima, de fazer inveja aos mais bem administrados Bancos comerciais do mundo: apenas 1,15%, o que significa que o Grameen Bank recebe de volta 98,85% dos empréstimos que concede.

Atualmente existem mais de 2 dúzias de entidades que trabalham juntamente com o banco, dentre as quais se destaca a Grameen Foundation , com sede em Washington.


Meus desafios aqui são:

- Entender como funciona a estrutura do Grameen Bank para garantir que o sistema funcione sustentavelmente
- Como o sistema se protege de corrupção e outros problemas comuns
- Como se garante a sustentabilidade de liderança no projeto
- Como o banco pioneiro em negócios sociais trata o tema

O que mudou em mim nestas 3 semanas?
Eu aprendi nestas o poder que uma oportunidade pode dar a alguém.
Vi pessoas que não tinham nada, que perderam o marido, não tinham o que fazer, mas que através do microcrédito conseguiram melhores condições para sua família; vi gente que morava no que hoje é um estábulo para três vacas; vi gente que não terminou a primeira série dizer com orgulho que um filho estava no exterior, o outro terminando a faculdade e iria dar a festa de casamento do terceiro. Tudo isso porque pessoas precisavam de oportunidade.

Vivemos num sistema de garantias dos bancos. Eles obrigam que você mostre sua condição financeira, seus rendimentos, que alguém assine por você. Aí sim você se torna confiável para crédito. No Grameen Bank, as operações acontecem na própria comunidade. As referências são seus vizinhos, a chefe da sua vila, seus amigos que moram próximos na vila. E como se consegue uma taxa de inadimplência menor no Grameen Bank?

Explicarei melhor o sistema em outro post, mas a verdade é que o trabalho é um tapa na cara de quem não acredita em projetos sociais. Em real mudança. Ela existe, é palpável, e é atingível.

Eu percebi então que a minha própria existência poderia ser pautada para ideais mais nobres. Poderia expandir meus sonhos, minhas ideias, para que pudesse ajudar mais gente ainda. E ter isso como um objetivo vivo na minha carreira. Não somente como algo complementar, mas como algo que estivesse na essência do que eu faço, como estas pessoas aqui se conectam.

É muito fácil se motivar num trabalho onde você vê seu impacto acontecendo. É muito bom você ver que o seu esforço de trabalho serve para prover as coisas simples da vida, o que de fato traz felicidade.

Numa visita a uma vila, enquanto eu andava, milhões de crianças nos seguiam. Conversávamos em bengali, jogamos badminton, brincamos. Na hora de ir embora, um dos garotos correu até um campo afastado de plantações, que na área rural se expandem até onde não podemos mais ver. Enquanto eu caminhava até a van, ele me estendeu a mão.

Dentro dela, uma pequena cenoura. Arrancada às pressas. Ele simplesmente apontou para os campos, me entregou e me abraçou. Como alguém no meio da área rural de Bangladesh, sem me falar uma palavra, numa área carente, pode ter a sensibilidade de correr até o mais longíquo campo pra me dar meia cenoura e um abraço?

Pessoas assim precisam de oportunidade. O fundador do Grameen Bank e também ganhador do Nobel da Paz Muhamad Yunus diz que: Definitivamente não é a falta de habilidades que torna pobres as pessoas pobres. O Grameen Bank acredita que a pobreza não é criada pelos pobres, ela é criada pelas instituições e políticas que o cercam. Para eliminar a pobreza, tudo o que temos de fazer é implementar as mudanças apropriadas nas instituições e políticas, e/ou criar novas instituições e políticas.

Situações como esta me fizeram refletir se eu realmente estava pensando grande. Se ao ver tanta coisa mudar na minha frente, por obra e dedicação de tantas vidas que buscaram mudar esta percepção, esta não era a minha vez.

Acabei de assistir into the wild. Na minha cabeça, fica mais claro a cada dia que o gosto da vida está nas coisas mais simples. A vida em Bangladesh é feita de pequenas conquistas e trocas de experiências que tornam a minha própria vivência cada dia mais relevante. É uma nova palavra em bengali, uma conversa sobre política num flat com mais de 10 nacionalidades, uma reflexão ou uma troca de experiências de vida que o faça refletir.

Conheci um sul coreano aqui. Ele passou os últimos 2 anos viajando. Trabalhou de voluntariado no Quênia, no Reino Unido, na França, Bangladesh e vai agora para a Malásia. E vi muita gente se empenhando também em desenvolvimento de negócios sociais. Foi na verdade acendar a luz na minha cabeça para deixar ideias de lado e efetivamente trabalhá-las!

Pra mim, Bangladesh foi um sopro de força. Não de otimismo, não de esperança; mas sim de amadurecer, ver que tudo não funcionará apenas na base da boa vontade, e dar forma aos sonhos que tenho. Bangladesh não foi apenas uma escolha; é um ponto intrínseco da minha caminhada de vida. E provavelmente, o que mais me fez amadurecer desde que perdi meu pai.

Espero que vocês não se desapontem com o primeiro post daqui ser tão tarde, e tão pessoal. Nós estamos nos organizando aqui em Bangladesh para que todos os trainees dêem sua contribuição em conjunto quanto a tudo que estamos aprendendo sobre o sistema e vamos dividir em breve. Quando tiver uma conexão melhor vou postar fotos pra ilustrar :) .

Espero que depois deste post você também se sinta revigorado pra agir em busca de uma meta. Porque as suas metas são sonhos com prazo para realização!

Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
Robert Frost

3 comentários:

  1. Vendo você contar sua experiência e falar da sua mudança, eu sinto que amo você mais ainda.
    Adoro ler o que você escreve, principalmente porque me dá paz e me emociona, porque eu vejo paixão nas suas palavras! Aproveite demais o fim do seu x em Bangla e uma ótima segunda experiência na Indonésia e no Vietnã! Em Bandung, você conhecerá o Ach, ele é uma das pessoas que fizeram a diferença aqui na Turquia pra mim! São ótimas pessoas, animadas e felizes!!

    Seja muito feliz e boa sorte (na sua concepção do que é sorte! :p) em todos os seus passos. Vejo você em April!

    Te amo!

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  2. Bangladesh + Into The Wild + Leonardo Civinelli = Wildladesh Transformelli.

    Seu post me lembrou muito aquela parte do filme em que ele parafraseia algum autor que não me recordo e diz algo tipo "rather than faith, than love, than money, than fairness, give me truth".

    Acho que você tá indo atrás da verdade. Da sua verdade. Que é diferente da minha, que é diferente do sul-coreano que você conheceu, que é diferente dos AIESECers brasileiros que me mandaram e-mail hoje pedindo pra eu peguntar o que quer que fosse pra eles, sobre o que eu gostaria de saber sobre Bangladesh ou o trabalho no Grameen Bank.

    A verdade de cada pessoa é diferente. Assim como a experiência, a mudança e o impacto - são como impressões digitais, entende? Únicos.

    O mais legal é saber que isso tudo que você escreveu não vai ficar ai com você em Bangladesh e se perder junto com a cenoura e os campos longínquos. Vai voltar com você pra Indonésia, pro Brasil e pra onde quer que você for parar nessa vida. Consequentemente, pra quem quer que você conheça - falo por experiência própria, por ter um amigo como você.

    Espero que o Grameen Bank te dê muitas oportunidades também, e que esta seja a oportunidade que você precisava pra poder quebrar os paradigmas que ainda faltavam.

    O medo maior, pelo menos que eu teria depois de uma experiência intensa como essa, é voltar pra cá e não saber lidar com pessoas que simplesmente ignoram realidades como essa que você tá vivendo em Bangladesh. Mas pra isso, acho que o raciocínio do Yunus se encaixa bem também: a pobreza (de espírito, de mente e de conhecimento) não é causada por si só, mas fonte de um sistema político e sócio-cultural que impede que todo mundo tenha oportunidades. Oportunidades de viver uma experiência como a sua, mas não A sua.

    E é daí que surge o X grande da questão - como criar agentes de mudança que não têm oportunidade para isso? Ou como criar oportunidades para isso?! Mas... será mesmo que para ser de fato um agente de mudanças você precisa dessa oportunidade?! O que é, realmente, um agende de mudanças?!

    Perguntas que me vieram a cabeça agora, e que eu não tenho a menor resposta pra elas. Acho que ninguém tem, porque parte da verdade de cada um, e as verdades também são singulares.

    Mal posso esperar pra ouvir mais dessas experiências suas e das outras que a Indonésia vai te trazer! E de todas as que vão surgir a partir de pequenos gestos como um abraço e uma cenoura dada de presente.

    Beijo grande, Léo!!
    E um abraço da @JF!

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  3. Leo,

    Comovente a maneira como você consegue enxergar o que muitos não vêem. Tenho certeza que para você toda a experiência faz a diferença!!
    Continue contando para nós o que você tem feito, com toda a sua sensibilidade.

    Beijos!!

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