sábado, 22 de janeiro de 2011

Eu preciso de óculos

Eu acordo às 9 da manhã, em pleno domingo, para ir trabalhar.

Eu não tenho chuveiro quente em casa; aqui em casa, as opções são um banho frio ou um quente de caneca.

Eu moro com 20 pessoas divididas em 2 flats.

Eu vou para o trabalho em um tuk tuk apertado com mais 3 pessoas.

Bangladesh é o país com a maior densidade demográfica do mundo. Todas as vezes que saímos na rua, somos cercados de curiosos, pessoas que vem falar conosco.

A internet em casa é muito ruim. Não consigo falar pelo skype com minha família.

É isso que eu consigo ver. Mas... será que eu não preciso de óculos?

Eu acordo todos os dias às 9 da manhã. Meu roomate é de El Salvador, antes era da Índia. Conversamos, subo para tomar café, e me preparo para mais um dia trabalhando no Grameen. Chego todos os dias no trabalho e me sento para pesquisar, ter reuniões, saber tudo que eu quero saber sobre negócios sociais e microcrédito. Sem a menor cerimônia, é só chegar e perguntar, pesquisar, acessar os arquivos de plano de negócios, metas, orçamento. E tudo que dou em troca é minha opinião.

Minha análise do Grameen, pontos para atenção, como se fosse uma consultoria. E uma instituição que ganhou o Nobel da paz abrir suas portas para estudantes, escancarar suas qualidades e defeitos e tirar algum tempo para nos escutar... eu valorizo demais. Mesmo que seja no domingo de manhã, já que o final de semana em Bangladesh é sexta e sábado, vale a pena acordar.

Eu não tenho chuveiro quente em casa; aqui em casa, as opções são um banho frio ou um quente de caneca. Isso me fez perceber o quanto eu abuso do consumo de água em casa, me fez valorizar aquela gotinha de água quente que cai do céu, e me fez ter mais paciência até nas questões triviais, que muitas vezes não paramos para pensar. O banheiro é de estilo hindu, com um buraco no chão. O primeiro choque é grande. Se é melhor ou pior: cada um com suas conclusões. Eu acho simplesmente diferente. E cada dia aqui é feito de pequenas conquistas. Ir ao supermercado, tomar um ônibus, ir a uma mesquita. A rotina é plena de oportunidades e quebras de paradigma; meu hobbie é andar como um bangladeshi pelas ruas e observar o estilo de vida destas pessoas, que tanto tem a ensinar e aprender conosco.

Por exemplo, o vício por bebida é quase nulo; a maior parte da população se esforça para adotar os hábitos vegetarianos; o índice de criminalidade é baixo se comparado à alguns locais do meu próprio país; o uso de drogas é severamente punido.

Eu moro com 20 pessoas divididas em 2 flats. São onze nacionalidades diferentes: Holanda, EUA, China, Taiwan, El Salvador, Brasil, Japão, Coréia do Sul, Austrália, Alemanha e Itália. Todos os dias, eu tenho a oportunidade de trocar ideias com estas pessoas sobre os mais diferentes temas: a ascenção da China, questões políticas (como a relação Taiwan e China, as Coréias). Tudo isso a distância de um braço, o suficiente para cutucar o cara do lado e perguntar. Se é muita gente? Sim. Quase nunca estou sozinho. Mas pra um intercâmbio cultural, não existe nada melhor do que a certeza de interação com pessoas extremamente diferentes.

Eu vou para o trabalho em um tuk tuk apertado com mais 3 pessoas. Aprendi a falar o básico de bengali, e alguns falam inglês; negociamos, conversamos, tiramos fotos; vemos muitos sorrisos dos motoristas. Nos apertamos no tuk tuk, mas toda manhã enfrentamos a dura realidade que muitas teorias de sala de aula não conseguem responder. Este foi o mote da criação do Grameen Bank, aliás. O fundador, Muhamad Yunus, estava como professor da faculdade de Economia, quando olhou para a janela e viu gente pedindo esmola. Num país recentemente criado (1978 sua independência), ele percebeu o quanto suas teorias viviam longe daquela realidade, ou como poderiam ser melhor utilizadas para combater os graves problemas de pobreza.

Se levantou, então, e criou uma abordagem prática: uma visita de campo a Jobra, perto de Chittagong, sua cidade natal, e emprestou do próprio bolso 27 dólares para um grupo de camponeses. Se dava início o Grameen Bank, que partia do seguinte princípio: "Poverty is the absence of all human rights. The frustrations, hostility and anger generated by abject poverty cannot sustain peace in any society. For building stable peace we must find ways to provide opportunities for people to live decent lives".

Bangladesh é o país com a maior densidade demográfica do mundo. Todas as vezes que saímos na rua, somos cercados de curiosos, pessoas que vem falar conosco. E isso é fantástico: nunca havia visitado um lugar que preserva um grande ar de inocência sobre os turistas. Na maioria das vezes, quando você não é local, você pode enfrentar problemas de gente querendo tirar vantagem de você (pagar mais, etc) ou gente tão acostumada a turistas que simplesmente te ignoram.

Em Bangladesh, as pessoas querem tirar fotos com você, conversar, e sempre estão com um sorriso na cara prontas a te ajudar. Não vou falar que existe gente mal intencionada não, mas sempre que estes mundos batem de frente, o número de pessoas bem intencionadas é bem maior do que quem não quer te ajudar.

Esta onda de vibrações é contagiante e torna um país que não é rota comum de turismo especial à sua maneira. E ver um bangladeshi todo feliz mostrando com orgulho o lugar onde se constroem os navios, ou andando numa mini canoa, pra mim tem muito mais valor.

A internet em casa é muito ruim. Não consigo falar pelo skype com minha família. Me fez perceber o quanto o meu tempo é importante. Nos minutos que tenho de boa conexão, é a hora que tenho para conversar e ser o mais relevante possível no que falar; trocar ideias, responder emails, tudo passa num segundo; e me mostra o quão patética era a minha atitude de ter minha mãe do lado e continuar no msn, conversando.

Muitas vezes as respostas mais simples estão na nossa frente, mas o nosso cérebro não consegue processar tamanha a indiferença com que tratamos os fatos.

Conversando com o cara do lado, descobri coisas fantásticas; é como a macieira e Isaac Newton. Às vezes, nas coisas mais simples estão as respostas mais complexas. Estavamos conversando aqui sobre um vencedor do prêmio Mário Covas, e a visão que me disseram era bem simples: "Fui a um bebedouro de uma escola pública, e percebi o desperdício de água. Resolvi diminui-lo".

Não se sabe o que é verdade, o que é lenda na história, mas no fim das contas faz sentido. Bill Gates também falava simplesmente que "Eu tive uma ideia. Começar a primeira empresa de software do mundo".

Complementando o post anterior, às vezes a gente ajusta o nosso foco pra ver tão longe que acaba não percebendo o que está na sua frente.

É. Eu preciso de óculos.

"Se eu puder ser útil a outro ser humano, mesmo que por um dia, já seria grande coisa. Seria melhor que todos os grandes pensamentos que eu poderia ter na universidade"

Muhamad Yunus

3 comentários:

  1. li o post por referencia do blog da Jode, esta fantástico!!!!!! só de ler já me deu novas "lentes"

    ResponderExcluir
  2. li o post por referencia do blog da Jode [2].
    Curti muito, parabéns por expor essa reflexão. Aliás vc escreve muito bem, tomei a liberdade de ler vários posts. Parabéns pelo blog!

    ResponderExcluir
  3. Oi Juliana e diniz!
    Brigadão pelo comentário, fico feliz quando minhas experiências ou meus pensamentos fazem alguma diferença pra quem lê! Brigadão mesmo!!!
    :)
    abraços!!!

    ResponderExcluir