quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Dona néia??

Cheguei hoje pela madrugada a Cabo Frio. Já tinha um bom tempo que não vinha, não por não querer, ou achar ruim, dado que este é o local que mais me lembra minha infância. Desde o bueiro em que eu quebrei o braço no pátio do condomínio até a primeira queimadura de água viva, é como se este lugar me levasse às origens a cada minuto. E este ar não mudou. O que me impressionou foi outra coisa.
Ao chegar na rodoviária, às sete e meia da manhã, já dava pra notar as diferenças. Pra começar, o taxista me aliciando, querendo que eu pagasse a mais e o taxímetro rodando rápido demais. Nada que não esteja acostumado, mas foram raras as ocasiões em que isso aconteceu aqui. Ou seria eu tão inocente assim?
Cheguei ao meu destino, e nova surpresa: o antigo condomínio residencial simples, em que eu fico desde que me entendo por gente, já não era como antes. As gradinhas verdes foram substituídas por um grande portão negro duplamente reforçado. O banco em que eu sentava e fica proseando deu lugar a duas cadeiras destinadas aos porteiros, que por sinal nunca existiram por aqui. E um grande cartaz indicava: "É proibido jogar bola no pátio". Todos meus 18 anos que passei naquele pátio não seriam nada sem uma bola e meninos irracionais a jogar. E isso porque nem me lembro da dor quando quebrei o braço, só lembro que eu estava brincando de carrinho de mão.
E a surpresa: um interfone no portão. Toquei, apareceu um cidadão que nunca vi, e perguntou aonde eu ia. Eu falei:
- Vou ali no apartamento da dona Elaine, ela é minha mãe e está com meu irmão Tomás aí.
- Qual o número do apartamento?
A pergunta me surpreendeu, porque num condomínio com dez apartamentos, sempre foi esperado que todos os habitantes se conheçam, dado que todos vem ao mesmo lugar tem uns 20 anos. Eu cresci vendo estas pessoas.
- Desculpa, amigo, esqueci de perguntar no telefone. Você os conhece?
- Sem número de apartamento fica difícil.
E lá fui eu, me encaminhando para o orelhão, liguei mas ninguém atendeu. Ora bolas, é férias, é praia, eu também não atenderia. Voltei ao portão e me dirigi ao cidadão novamente:
- Amigo, eu não consegui falar com eles. São sete e meia da manhã, no mínimo estão dormindo.
- Você é filho de quem?
- Dona Elaine, meu amigo.
- Ok, vou verificar aqui.
E tirou uma caixa de fichas com os hóspedes. Me impressionou porque o rapaz não fez aquilo antes, mas vai saber, não custava nada, dado que neste momento cumprimentei um amigo meu que sempre passa férias aqui e conversávamos quando veio o grito:
- Dona néia?
- Amigo, é dona Elaine.
- Eliane matos?
- Elaine amigo.
- Não tem nenhuma néia aqui.
- É ELAINE - falou meu amigo, com muito menos paciência que eu.
- Elaine, Tomás, e Leandro?
- Leonardo, amigo, leonardo.
- Ok, pode entrar.
Depois de quase vinte minutos, consegui entrar no condomínio. E ali estava eu: pátio vazio, ninguém jogando bola, e todo mundo aqui em casa dormindo.
O que fica de impressão pra mim é que tudo aquilo que eu vivi não existe mais. Passar o tempo quebrando meu braço ali no pátio, sentado no antigo banquinho jogando poker, chamando os amigos pra entrar, tá tudo lá atrás. Entendo os motivos, pela segurança, pelo bem estar da sociedade, mas senti que um reduto da minha infância foi tirado de mim. Que todos nós somos reféns do bem da sociedade, pelo futuro. Mas espero que um dia a gente possa mudar isso. Até lá, vou lembrar sempre do meu pai falando que não mudava lá de casa pra não ter porteiro. Fica a mensagem pra todos um feliz natal, e que possamos nos lembrar daquilo que nos torna uma sociedade: a possibilidade de convívio e troca de experiências plena em um ambiente comum, ou a necessidade de se proteger em conjunto usando alguém pra esconder a dona néia.

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